Thursday, February 06, 2014

Sonhos do Passado (Save the Tiger), de John G. Avildsen (1973)


Os anos 70 foram, dizem os críticos, de ouro para o cinema norte-americano. Grande parte dos hoje mais conceituados clássicos foram concebidos nessa década e se ninguém esquece O Padrinho (Francis Ford Coppola, 1972), O Caçador (Michael Cimino, 1978), Fim-de-Semana Alucinante (John Boorman, 1972) ou Escândalo na TV (Sidney Lumet, 1976), outros há que o tempo se encarregou de fazer esquecer, quantos deles injustamente.

Entre essas obras situa-se Sonhos do Passado, realizado pelo hoje subvalorizado e algo esquecido John G. Avildsen, mais tarde reconhecido por Rocky (1976) e Momento da Verdade (o famoso Karate Kid, de 1984). 

Em 1973, realizou este Sonhos do Passado que nos apresenta Harry, um administrador de uma empresa têxtil que, como se não bastasse estar a passar por uma crise de identidade, ainda tem que lidar com uma situação de crise iminente e grave na empresa que gere. O filme é um retrato sincero e visceral de um certo desencanto patente numa geração que teve de lidar com o pós-guerra do Vietname e com as feridas que o país deixou por cicatrizar. Lemmon, que aqui venceu o seu segundo Oscar, encarna o papel de Jack com uma garra que se torna impossível passar indiferente ao seu desespero e a uma certa mágoa que carrega dentro de si. Ele, assim como o brilhante argumento de Steve Shagan são quem realmente se destaca numa obra que é o retrato do fim do sonho americano, do desencanto efetivo.

Um filme inesquecível.

Recomendado para: quem tem saudades de um certo cinema adulto completamente descomprometido.

Classificação filmes esquecidos: *****
Classificação imdb: 7,0
Comentário chunga: um yuppie, uma hippie, uma noite. Não há sexo. Pffff!

Jack Lemmon, sobre as dificuldades do seu papel no filme.


Tuesday, February 04, 2014

The Cove (A Baía da Vergonha), de Louie Psihoyos (2009)


Raramente aqui falei de documentários e, em boa verdade, The Cove teve ampla exposição mediática, graças aos prémios em Sundance e nos Oscars. Foi assim que o descobri, através das premiações da academia, e chego agora à conclusão que nunca é demais dar a conhecer um objeto que quer dar a conhecer um problema que afeta a todos, mas que quase todos teimam em ignorar: a escravização de golfinhos para entretenimento de massas, e a matança de que são vítimas no Japão, mais especificamente na cidade de Taiji, conhecida como a capital mundial dos golfinhos.


O tema é premente e Richard O'Barry - o homem que, ironicamente, esteve por detrás da série Flipper, nos anos 60 - tem feito de tudo para que não caia no esquecimento. The Cove avança calmamente sobre o assunto e vai deslindando, aos poucos, todo o esquema engendrado pelas autoridades japonesas para encobrir os pescadores que, diariamente, matam milhares de golfinhos em Taiji, usando depois a carne - contaminada por altos índices de mercúrio - para venda nos supermercados, como sendo de baleia.

Não se pense aqui que estamos perante um objeto de propaganda, não obstante um ou outro tiques de vedeta evidenciados pelo realizador Louie Psihoyos, que por vezes se deixa absorver pelo poder da causa que apoia. The Cove procura motivos, coloca questões, analisa os dois lados dos factos e, nesse sentido, o testemundo de Ric O'Barry, assim como os das autoridades de pesca japonesas, tornam-se imprescindíveis.

Mas onde a obra fica completa é na passagem da teoria à prática. Phisoyos e O'Barry passam da confortável teoria à prática e avançam no terreno para mostrar a chacina num momento de alta tensão que prende o espectador à tela, para no fim mostrar as imagens captadas em total silêncio, sem concessões. 

The Cove é um triunfo precisamente porque não esquece o espectador, sem deixar de ser pedagógico. Um triunfo que todos devem ver e até está disponível online, aqui:


Pode ajudar a causa aqui:



Sunday, January 26, 2014

Os Encantos do 6º Andar (Les Femmes du 6éme Étage), de Philippe Le Guay (2010)


São muitos os filmes que saem todos os anos, dos mais variados géneros e feitios e para os mais variados públicos. Mas quantos haverá que abordam, com graça e sensibilidade, realidades presentes no nosso quotidiano? O recente sucesso de A Gaiola Dourada (La Cage Dorée, 2013), do qual falarei em breve, mostrou que não é preciso ter muita ação, efeitos especiais e super-heróis para se conseguir cativar o grande público. Sim, é um cliché repetido até à exaustão. Mas quantos cineastas saberão contar uma história de forma sensível e ao mesmo tempo cativante?

Os Encantos do 6º Andar passou-me completamente ao lado quando da sua estreia. Sim, é um filme francês e o mercado português não costuma prestar-lhes atenção a não ser que o título seja antecedido por "Luc Besson presente", mas eu costumo estar atento. Sim, é um filme francês sobre mulheres espanholas emigradas na França dos anos 60 do século passado, mas, se por outro motivo não fosse, o esmagador sucesso da obra de Philippe Le Guay nas bilheteiras gaulesas devia ter-me alertado para este filme, nem que fosse só um bocadinho. Assim um bocadinho só.

Maria (Natalia Verbeke) é uma jovem espanhola em busca de trabalho na capital francesa. Como todas as espanholas da altura, acaba como empregada de limpeza na casa de um casal de posses. Só que a sua chegada, aliada à energia das suas compinchas dos outros apartamentos, altera a realidade do aborrecido Jean-Louis (Fabrice Luchini), um bom homem cuja vida está estagnada entre a previsível e um tanto arrogante esposa e a o emprego de sempre. O cruzamento da sua vida com a das senhora do 6º andar vai alterar completamente o seu rumo, de forma inesperada, mas invariavelmente tocante e divertida.

Convém aqui salientar que estamos perante uma realidade muito específica, mas de fácil compreensão pelos portugueses que têm ou tiveram familiares emigrados na segunda metade do século XX. Fala-se, inclusive, deles, a determinada altura do filme. O que torna ainda mais relevante este Os Encantos do 6º Andar, um pedacinho de cinema que revela uma universalidade e uma sinceridade desarmantes. E que, acima de tudo, merece ser descoberto.

Recomendado para: quem não tem medo de sorrir com a dura realidade. 

Classificação Filmes Esquecidos: ****
Classificação imdb: 7,1
Comentário chunga: se não fosse por causa das coisas, até pensava que as donas do prédia eram as espanholas. mas isso sou eu...

Trailer






Monday, January 06, 2014

Taking Woodstock, de Ang Lee (2009)


Hoje apetece-me ser polémico e dizer que não acho Ang Lee um grande realizador. Sou fã dos seus filmes, as temáticas e desenvolvimentos interessam-me, mas noto sempre uma certa falta de "olho clínico" ora para colocar a câmara no sítio certo, ora para cortar o que está a mais.

Claro que quem escreve estas linhas viu apenas quatro filmes do senhor e está ciente de que ele já ganhou dois Oscars precisamente na categoria de realização, mas também acredita que o de Brokeback Mountain foi exagerado. Ah, e por aqui ainda não se viu O Tigre e o Dragão nem A Vida de Pi, portanto acredita-se piamente que a opinião possa vir a mudar. Mas viu-se Taking Woodstock e é desse que vos venho deixar umas palavrinhas hoje.

Elliot (Demetri Martin) está numa encruzilhada. Perante o aparente fracasso precoce da sua carreira como pintor e a crise financeira que os pais atravessam, decide voltar à terrinha, apostando tudo na organização de um festival que a cidade vizinha deixou fugir e que acaba por se transformar num símbolo de liberdade e paz para um país em guerra com o Vietname.

Lee acerta com o tom de comédia do filme, que usa para dissecar uma realidade sem para isso parecer que está a dar sermões, e a escolha não apenas de Martin, mas também de Imelda Staunton e Henry Goodman (assombrosos como os pais de Elliott), e do televisivo Jonathan Groff revela acertos de casting como poucas vezes se tem visto. O problema maior do filme prende-se com o facto de, por vezes, não conseguir encontrar um equilíbrio na história que quer contar. Começa como uma comédia leve sobre uma família e uma comunidade disfuncionais e termina quase como um Almost Famous wannabe, numa jornada de descoberta pessoal.

Felizmente, há muitos bons momentos para se saborear em Taking Woodstock, que acaba por deixar um sorriso muito aberto nos lábios de quem lhe puser a vista em cima.

Recomendado para: as mães e todos os espíritos livres.

Classificação Filmes Esquecidos:****
Classificação imdb: 6,7
Comentário chunga: Liev Schreiber é uma mulher.

TRAILER


De Martin Scorsese... para a filha [ou o futuro do cinema]

Dearest Francesca,

I’m writing this letter to you about the future. I’m looking at it through the lens of my world. Through the lens of cinema, which has been at the center of that world.

For the last few years, I’ve realized that the idea of cinema that I grew up with, that’s there in the movies I’ve been showing you since you were a child, and that was thriving when I started making pictures, is coming to a close. I’m not referring to the films that have already been made. I’m referring to the ones that are to come.

I don’t mean to be despairing. I’m not writing these words in a spirit of defeat. On the contrary, I think the future is bright.

We always knew that the movies were a business, and that the art of cinema was made possible because it aligned with business conditions. None of us who started in the 60s and 70s had any illusions on that front. We knew that we would have to work hard to protect what we loved. We also knew that we might have to go through some rough periods. And I suppose we realized, on some level, that we might face a time when every inconvenient or unpredictable element in the moviemaking process would be minimized, maybe even eliminated. The most unpredictable element of all? Cinema. And the people who make it.

I don’t want to repeat what has been said and written by so many others before me, about all the changes in the business, and I’m heartened by the exceptions to the overall trend in moviemaking – Wes Anderson, Richard Linklater, David Fincher, Alexander Payne, the Coen Brothers, James Gray and Paul Thomas Anderson are all managing to get pictures made, and Paul not only got The Master made in 70mm, he even got it shown that way in a few cities. Anyone who cares about cinema should be thankful.

And I’m also moved by the artists who are continuing to get their pictures made all over the world, in France, in South Korea, in England, in Japan, in Africa. It’s getting harder all the time, but they’re getting the films done.

But I don’t think I’m being pessimistic when I say that the art of cinema and the movie business are now at a crossroads. Audio-visual entertainment and what we know as cinema – moving pictures conceived by individuals – appear to be headed in different directions. In the future, you’ll probably see less and less of what we recognize as cinema on multiplex screens and more and more of it in smaller theaters, online, and, I suppose, in spaces and circumstances that I can’t predict.

So why is the future so bright? Because for the very first time in the history of the art form, movies really can be made for very little money. This was unheard of when I was growing up, and extremely low budget movies have always been the exception rather than the rule. Now, it’s the reverse. You can get beautiful images with affordable cameras. You can record sound. You can edit and mix and color-correct at home. This has all come to pass.

But with all the attention paid to the machinery of making movies and to the advances in technology that have led to this revolution in moviemaking, there is one important thing to remember: the tools don’t make the movie, you make the movie. It’s freeing to pick up a camera and start shooting and then put it together with Final Cut Pro. Making a movie – the one you need to make - is something else. There are no shortcuts.

If John Cassavetes, my friend and mentor, were alive today, he would certainly be using all the equipment that’s available. But he would be saying the same things he always said – you have to be absolutely dedicated to the work, you have to give everything of yourself, and you have to protect the spark of connection that drove you to make the picture in the first place. You have to protect it with your life. In the past, because making movies was so expensive, we had to protect against exhaustion and compromise. In the future, you’ll have to steel yourself against something else: the temptation to go with the flow, and allow the movie to drift and float away.

This isn’t just a matter of cinema. There are no shortcuts to anything. I’m not saying that everything has to be difficult. I’m saying that the voice that sparks you is your voice – that’s the inner light, as the Quakers put it.

That’s you. That’s the truth.


All my love,

Dad