Monday, November 26, 2007

Planeta do Gelo (Ice Planet) - Winrich Kolbe - (2001)

Hoje a recomendação vai para um filme péssimo.
Pior ainda, nem sequer é um filme, mas sim um episódio piloto para uma série que não chegou a entrar em produção na altura, isto por volta de 2001.
Então porquê a recomendação, perguntam vocês.
Pois bem, isto hoje é para aqueles para quem o prazer de ver Cinema (com C grande) não tem necessáriamente de passar apenas por grandes obras de reconhecido mérito cinéfilo, artístico ou intelectual. A recomendação de hoje é para o pessoal que tanto se diverte com o "Casablanca" como com o "Plan 9 From Outer Space" sem qualquer preconceito. Neste caso muito específico é uma recomendação para os apreciadores de ficção-cientifica.
Sendo assim, a coisa do dia chama-se "Planeta do Gelo" (Ice Planet) e acima de tudo está agora aqui por ter sido uma moderna tentativa Europeia (Alemã), para se criar um projecto de FC televisiva nos moldes de um Star Trek americano mas mantendo no entanto uma certa identidade europeia, o que só lhe ficou bem.

Além disso no meio de tanta fragilidade cinéfila, alguém deve ter reparado tal como eu, que se calhar este Ice Planet até nem era tão mau quanto parecia á primeira vista, pois curiosamente depois de todos estes anos congelado (ahah), o projecto parece estar a ganhar uma segunda vida através do remake que se encontra já em produção, desta vez no Canadá com o veterano Michael Ironside como protagonista.

Mas falemos do episódio piloto original. Foi realizado pelo veterano de séries televisivas americanas, o alemão Winrich Kolbe, que entre muitas coisas conhecidas filmou não só episódios para todas as séries modernas do Star Trek, esteve envolvido na produção da "Battlestar Galactica" original como ainda por cima dirigiu episódios do famoso "Knight Rider" e de coisas ainda mais kitch como o inclassificavel "Automan" no início dos anos 80.
Posto isto...penso que ninguém se vai surpreender se eu lhes disser que "Ice Planet" é assim como uma mistura entre Star Trek NG com Battlestar Galactica antiga.
Mas há mais !
Imaginem um Star Trek com porrada estilo Galactica original e um design que fica algo entre o Tron, o Star Trek e o Babylon-5. E a cores ! Quer dizer...os filmes normalmente são a cores não é ? Mas este nota-se !
Não me lembro de ver um filme com um estilo gráfico tão colorido desde talvez o Tron. Tron inseria cor por contraste no ambiente azul do filme, Ice Planet mantêm uma linha gráfica semelhante no design mas tem cor por todo o lado. Num único enquadramento arrisco-me a dizer que ás vezes se encontra todo o espectro de cor visivel ao olho humano de uma só vez bem escarrapachado no cenário para o espectador ver bem ! E isto é ainda mais reforçado pelos (horrorosos ?) CGIs terem um visual plástico e colorido fabuloso o que dá a este filme um estilo algures entre o desenho animado e o live-action sem nunca se definir bem mas com resultados surpreendentes na minha opinião. E o mais interessante, é que contrastando com isto o filme tenta ter um ambiente sério ao estilo da primeira série do Espaço 1999.
O surpreendente é que no meio de tanta cor e até de tanto design de guarda-roupa hilariantemente retro, o ambiente "sério" da história não é que é mesmo conseguido ?!

Aliás uma das coisas interessantes deste Ice Planet é precisamente isso, mantém o mistério e uma excelente atmosfera com um fantástico ambiente de exploração do desconhecido durante muito tempo. Infelizmente o final não é propriamente bom, mas há que relembrar que isto seria o episódio piloto de uma série e portanto o final justifica-se. Pode ser que o continuem agora no remake contemporaneo.
Em alguns momentos recordou-me um dos episódios passado na neve do Espaço 1999 e gostei disso.

Gostei também do estilo cinematográfico em que está filmado. Tenta fugir ao modelo televisivo e isso é bom. Ao menos nota-se que tentaram.
E gosto do sabor Europeu que emana do episódio apesar de tanto plástico, há neste Ice Planet algo que o torna bem mais agradável do que uma banal cópia do estilo americano. Aliás acho que este filme só podia ser alemão mesmo, pois o estilo gráfico e o uso da cor remete imediatamente para aqueles videoclips dos 80s, estilo Alphaville e semelhantes. Nostalgia...

Por isso para quem gosta de FC e não entre nisto á espera de uma obra prima do género, tem aqui uma boa sugestão de compra. Porque pelo menos podem contar com um produto que no meio de tanto cliché e tanto kitch consegue no entanto ter um ambiente bem original e atractivo, coisa que não se encontra facilmente na FC moderna.
Embora notem, que é preciso partir para este filme com espírito de série B. Se o tiverem e gostarem de Fc com um sabor retro muito bem recheada visualmente, têm aqui um pequeno produto que os irá surpreender.
Preparem-se apenas para o seguinte:

- Interpretações absolutamente inclassificáveis, (o gajo que faz de contrabandista espacial tipo cigano é absolutamente hilariante de cada vez que abre a boca).
- Uma overdose de CGIs super-coloridos (mas com paisagens alienigenas muito bem conseguidas).
- Cor, muita cor. Até as cenas de neve contêm um caleidoscópio de cor.
- Uma montagem absolutamente do piorio. Consta que o episódio teria duas horas e no entanto a edição em dvd não chega aos 90 minutos de filme. E isso nota-se, pois o ritmo narrativo varia constantemente. Contêm um início tão acelerado que uma pessoa nem tem tempo para conhecer os personagens e muito menos identificar-se com qualquer um deles, pois os acontecimentos que os levarão até ao planeta gelado sucedem-se a um ritmo alucinante ao estilo montanha russa com carro descontrolado.
- Uma banda sonora estranha. Atmosférica mas as vezes não se percebe bem se o compositor saberia sequer para que cena estaria a compor. No entanto, fica memso bem neste filme. Acho.
- Guarda roupa estilo retro. Na verdade uma mistura entre Star-Trek, Babylon-5 e clássicos do cinema FC dos 50´s. Eu adorei.
- Os personagens não têm interesse absolutamente nenhum e alguns chegam a ser absolutamente irritantes, mas por outro lado tem tudo a ver com o espirito da coisa. Por isso...

Resumindo, estão por vossa conta e risco. Eu adorei.
Isto obviamente dentro de uma lógica série B. Não deixa de ser fascinante ver como actualmente graças aos computadores, até um série B e Z pode conter um visual fantástico que jamais seria possível por exemplo nos anos 80 quando este tipo de cinema tinha de recorrer a maquetes tradicionais e efeitos especiais de animação.
Sendo assim, não recomendo que saiam imediatamente de casa a correr para ir comprar isto, mas se gostam de FC, e tiverem 9.95€ para esbanjar da próxima vez que forem ás compras na Fnac, quiserem trazer mais um filminho extra que seja fixe sem gastarem muito dinheiro, então têm aqui uma sugestão a considerar. Excelente imagem e som a condizer. No Extras.
Podem espreitar uma espécie de trailer aqui http://www.youtube.com/watch?v=vi5eK0xbl8A mas não vejam mais do que isto, pois o filme já é pequeno demais e não se arrisquem a apanhar com spoilers noutros sitios.

E já agora uma nota banal. Gostei da capa do dvd na edição portuguesa. Apesar do grafismo amador, e das imagens com péssimos CGI na parte de trás, a fotografia da capa com a rapariga de uniforme transmite imediatamente o ambiente do filme e não engana.

Portanto se eu tivesse que dar uma nota a isto seria assim; se levasse a coisa para o sério:
3 estrelas em 10 pelo esforço.
Mas, como isto é para ser visto com um espirito série Z:
8 estrelas e meia, em 10, porque me divertiu, tem um ambiente retro a lembrar os velhos serials do Flash Gordon e gostava que o filme durasse um bocadinho mais.Se procurarem no imdb, verão que as reviews, variam entre o pessoal que tem a mesma opinião favorável ao filme que eu e o pessoal que simplesmente o acha abominável, (oh pessoal sem sentido de humor que não compreende o espirito de um série Z)http://www.imdb.com/title/tt0269356/usercomments

Divirtam-se e façam uma pausa no cinema a sério.

Thursday, November 22, 2007

Three Wishes - Martha Coolidge (1995)


A carreira de Martha Coolidge tem-se dividido, durante os anos, em fases distintas. Nos anos 80 dedicou-se a teen movies de qualidade (Valley Girl, 1983; Real Genius, 1985), nos anos 90 a um retrato de uma certa América clássica (Rambling Rose, 1991; Angie, 1994) e na primeira década deste século à televisão, tendo dirigido episódios de Weeds, CSI, Shark ou Huff. É da segunda fase que eu sinto mais saudades. Provavelmente porque sempre tive um fraquinho por aqueles dramas pessoais bem sóbrios e reconfortantes, a "fase ninetees" da realizadora norte-americana foi a que me deixou mais saudades. Em especial este Three Wishes (Três Desejos, 1995) que nos apresenta a história de Jane Holman (a saudosa e desaparecida Mary Elizabeth Mastrantonio) e do filho Guinny (Joseph Mazzello, outro desaparecido) vivendo uma vida pacata mas difícil - o patriarca da família encontra-se desaparecido na guerra) numa cidadezinha dos EUA. Um dia, num acto de pura bondade, Jane socorre Jack, um vagabundo (Patrick Swayze) e o acolhe em casa. À medida que o tempo vai passando e a bondade de Jack vai cativando mãe e filho, Jane decide "adoptar" Jack, que afinal pode não ser apenas mais um vagabundo de beira de estrada.


Contar mais sobre este pequeno filme seria criminoso, pois a grande vantagem do cinema de Martha Coolidge sempre consistiu na desenvoltura com que executou este tipo de histórias. Three Wishes é, em última análise, uma parábola sobre a bondade humana. É aquilo que Favores em Cadeia (Pay It Forward, Mimi Leder, 2000) gostaria de ter sido e foi-o até certo ponto, antes de começar a choradeira desenfreada. Onde este filme era lamechas, Three Wishes consegui ser subtil além de arrancar mais uma bela interpretação ao subestimado Patrick Swayze. Mastrantonio e Mazzello também aqui estão em topo de forma e fazem um todo muito coerente e absorvente.


O fracasso comercial e crítico do filme só vem provar que pequenas e simples fábulas como esta já não têm lugar no cada vez mais imediato cinema norte-americano. O filme não é perfeito, eu sei. Mas eu cá gosto! E recomendo a quem quiser descobrir.

Friday, November 09, 2007

"Kiss Me" - António da Cunha Telles - (2005)

Para que eu goste de um filme de contornos românticos, acima de tudo este tem de ter algo que me toque a nível emocional. Coisa que já não acontece há muito tempo por exemplo com os enlatados saídos de Hollywood de onde saiem remakes cada vez mais atrozes de filmes românticos originalmente fabulosos como o Coreano "Il Mare" completamente destruído pelos americanos com o plástico e banal "A Casa do Lago".
Para um filme romântico me interessar ás vezes precisa conter apenas um pormenor na música, ou até uma simples imagem num determinado momento que faça a diferença.
Ou um conjunto de pequenas coisas que tornem especial um argumento.

Este surpreendente filme português teve tudo isso e mais alguma coisa, inclusivamente algumas falhas que o impedem no entanto de ser uma obra prima do cinema comercial nacional, embora quanto a mim ande lá perto por muitos e variados motivos.

Como haveria muito para dizer, vou tentar resumir esta crítica em dois pontos distintos.

Resumindo, coisas que adorei em "Kiss Me" e pelas quais eu acho que este filme não merece ficar esquecido:

- O ambiente a fazer lembrar o filme "Cinema Paradiso", coisa que nunca julguei alguma vez vir a encontrar num filme Português.
É como se fosse um filme do Tornatore mas ao mesmo tempo não o é pois tem um identidade própria bem portuguesa.

- A recriação de ambiente de Tavira nos anos 50.
Passei todas as férias da minha infância em Tavira, toda a familia da parte do meu pai era de lá e viveram aqueles tempos. Sei de cor as historias e os relatos que ouvi ao longo dos anos sobre como eram as pessoas da terra e o ambiente que se vivia. Pelo menos quatro dos personagens deste filme poderiam ser da minha familia, o alfaiate, o contrabandista, a costureira, a tia (que inclusivamente tem o mesmo nome da minha tia de Tavira), etc.
Por isso neste aspecto o filme tocou-me particularmente pois colocou no ecran tudo aquilo que sempre visionei ao longo dos anos pelas historias que ouvia e nas fotos antigas que via.

- A maneira como a musica mantém a coerência da atmosfera ao longo do filme, tanto nos lindíssimos temas originais como na escolha de temas de Jazz, Tangos e melodias orquestrais. Tudo soando fabulosamente num sistema 5.1.
Este filme tem mesmo o melhor som que me lembro de ouvir num filme português. Bem melhor até que algumas pistas em DTS apesar de apenas conter a tradicional faixa em surround normal.

- A maneira como uma história original foi contada usando recriação de cenas de filmes clássicos e integrando-os na narrativa principal como se pertencessem mesmo ali. Achei fabuloso e só tenho pena de não ter visto ainda todos os filmes ali referenciados.

- A fotografia estilo technicolor anos 50 acerta em cheio no que seria perfeito para este filme em algumas cenas chave. Além disso "Kiss Me", contém pelo menos uma mão cheia de imagens que poderiam ser obras fabulosas se tivessem sido apresentadas estáticas em qualquer mostra de fotografia e neste aspecto a Marisa Cruz não poderia ter sido melhor aproveitada pelo director de fotografia.
A imagem da sua personagem deitada nua na palha molhada protegendo o filho com o calor do corpo está incrivel e é um dos grandes momentos visuais do filme.
Surpreendeu-me bastante que apesar dos nús da Marisa , não a tenham explorado eroticamente daquela forma mais explicitamente sexual que muita gente esperava ver.
Pelo contrário, todas as suas cenas de nú são mais sensuais do que sexuais pois toda a sexualidade do filme está presente na personalidade do personagem e o espectador acaba sempre por imaginar mais do que é na realidade mostrado.

- A colagem á Marilyn está excelente. A ideia de Laura passear pelo filme usando cada um dos vestido famosos resulta bem e cria desde logo subtis momentos de humor e um aproveitamento dramático perfeito.

- A história. Simples, poética e emotiva sem cair na telenovela o que fica sempre bem.
Embora não se livre de algumas falhas na estrutura do filme, mas ja comento isso nos pontos "negativos". De uma forma geral, é uma história muito bem aproveitada.

- Os cenários têm um design de produção fantástico. Durante duas horas transportam-me de volta á Tavira da minha infância quando a minha tia Marta no meio dos anos 70, ainda tinha todos aqueles móveis estilo 50´s que a Laura tem na sua casa. Os cenários de estúdio ligam perfeitamente com os exteriores filmados em Tavira.

- As interpretações. É bom constatar que em portugal também temos grandes actores para cinema. O Nicolau Breyner está contidamente incrivel e com um personagem particularmente tocante. O Rui Unas vai longe e tem um personagem de quem se fica imediatamente a gostar. A Clara Pinto Correia é aquela personagem, assim como um actor que eu desconhecia, Manuel Wiborg e que tem outro personagem excelente, isto para não falar da personagem Clarinda que é simplesmente o complemento perfeito para a Laura.
Muito haveria ainda para dizer sobre os actores mas na verdade o casting deste filme é absolutamente perfeito e nem sempre se encontra algo assim no cinema Português.

Só os figurantes estragam a coisa um bocado.Quanto á Marisa, pois é uma boa actriz também apesar de muita gente ainda entrar em ideias negativas pré-concebidas.
Senti varias pequenas "falhas" ao longo do filme, mas de uma forma global tem um trabalho fantástico apesar disso. Ela é Laura.
A meio do filme já nem nos lembramos que é a Marisa Cruz e a química entre ela e o Nicolau é total como se pode ver por exemplo nas cenas do baile.
Penso que a Marisa tem um excelente potencial como actriz, espero continuar a poder vê-la no cinema futuramente e só é pena ainda haver muita gente que pensa que por ela ser Modelo, boa e bonita isso significa que nunca poderia ser fazer um bom trabalho de representação. Pois bem, na minha opinião, a Marisa Cruz neste filme limpa o chão com todas as supostas actrizes que andam neste momento pelas novelas das nossas televisões.
Além disso foi preciso ter lata (e coragem) para arriscar num papel tão emblemático, emulando logo a Marylin Monroe onde inevitavelmente seria alvo de comparações depreciativas. Injustas quanto a mim pois a colagem é total enquanto personagem - Laura - fascinada pela deusa do cinema.

Coisas de que "não gostei":

- Penso que em algumas partes do filme a evolução da personalidade da Laura é demasiado brusca e passa demasiado rápido por mudanças na sua evolução de menina ingénua até Vamp simbolo sexual da cidade. A relação amorosa entre ela e o personagem do contrabandista é demasiado súbita. Numa cena não se passa nada, na seguinte parece que já se relacionavam há muito tempo.

- A primeira cena erótica tem segundos a mais. Parece um comentário estúpido, mas a verdade é que a achei repetitiva pois tentaram prolongar aquilo que na verdade não pretendiam mostrar e acho que não resultou muito bem pois quebra um bocado o excelente ritmo que o filme tem até ali.Pronto, ok, tem a Marisa, essa parte está óptima.

- Tavira tinha dezenas de locais poéticos para serem mostrados e practicamente nada foi usado neste filme. Não usaram o velho coreto, a fachada da praça antiga, o jardim central, entre muitas outras localizações que teriam dado ainda mais atmosfera ao filme. Provavelmente por falta de verba para muitos exteriores. É pena.
Mas a ponte, a ilha,as 4 aguas e o rio estão perfeitos e servem perfeitamente a historia.
Gostaria apenas de ter visto mais pois Tavira tem um potencial cénico romântico incrivel e foi pena não o terem usado.

- Alguns figurantes são terriveis o que quebra um bocadinho a atmosfera perfeitamente credivel do que estamos a ver comprometendo a ilusão de realidade presente no filme até esses momentos.

- Em algumas cenas mais intensas a Marisa tem algumas limitações dramáticas. Quando ela vai pedir ajuda á mãe por exemplo, os apelos do personagem não me convenceram. Se calhar a culpa não foi dela, porque durante todo o filme enquanto actriz principal ela tem momentos verdadeiramente excelentes e parece carregar sem esforço todo o filme nas suas costas competindo sem problemas com actores como o Nicolau.

- O final é um bocadinho brusco, penso que o filme pedia um fim mais emocionalmente trabalhado. Parece que o realizador ou o argumentista precisavam de terminar o filme e decidiram inserir a martelo um final que nem sequer era necessário.
Visto que o argumento até é practicamente todo diferente do livro original, não entendo porque o filme não acabou num dos momentos finais mantendo a mesma narração mas evitando a breve sequência contemporânea no avião que parece completamente deslocada.
Se calhar fui eu que queria que o filme não acabasse assim tão subitamente, pois a verdade é que adorei este "Kiss Me".
Temos aqui um filme Português comercial verdadeiramente digno dessa qualificação no melhor dos sentidos.
O que me leva ao ponto seguinte...

- "Kiss Me", não gosto do titulo. Acho que não resulta apesar de perceber a ligação. Acho-o demasiado forçado um titulo em inglés para um filme como este.
Até porque tenho a certeza que afastou muito público e pode continuar a afastar. Especialmente de uma faixa etária mais avançada que nunca reparará num filme com um titulo em estrangeiro.
E nem morro de amores pelo cartaz demasiado plástico e com pinta de fotografia mais própria para passagem de modelos do que propriamente para representar a atmosfera diferente que se encontra no filme e que é bem mais clássica. Penso que em termos de marketing o cartaz como está foi um erro.

Concluíndo, sinceramente acho que o filme é um espectáculo e infelizmente é um daqueles que se não for mesmo divulgado irá ficar esquecido por muito tempo. Especialmente porque muita gente até nunca o irá ver por puro preconceito, tanto para com o cinema português como para com a Marisa Cruz, o que é pena pois perderão um filme muito bonito, poético, cheio de memórias cinematográficas e personagens inesqueciveis, grandes interpretações, atmosfera perfeita, banda sonora a condizer e (surpreendam-se) uma fotografia fantástica.
Não entendo o porquê dos nossos criticos (daqueles "a sério"), terem batido tanto no filme.
Se calhar é porque é um pequeno grande filme de que o grande público pode mesmo gostar.

Recomendo a compra apesar do Dvd estar editado no maldito formato 4:3 letterbox.
No entanto contém bons menus animados com grande atmosfera, extras a condizer com um bom making of e algumas cenas apagadas comentadas, etc.Só é pena não haver um comentário audio durante o filme todo, pois o realizador faz um trabalho excelente a comentar as cenas apagadas e é mesmo uma grande falha deste dvd não trazer tambem um comentário.Por isso meus amigos das editoras, se lançarem uma edição especial deste filme, desta vez já em 16:9 a sério e com um comentário audio do realizador e de preferencia outro com os actores , já têm aqui um comprador. Filme 5 estrelas.
Especialmente dedicado áquelas pessoas que passam a vida a queixar-se de que o cinema portuga nunca produz nada de jeito.
Vejam este e mudem de opinião de uma vez por todas.
"Kiss Me" é um daqueles que não merece ficar no esquecimento.

E já agora...
Se gostarem do filme, recomendo vivamente o livro com o mesmo nome ("Kiss Me" - Vicente Alves do Ó), porque curiosamente é quase uma história diferente. Pelo menos uns 80% da história presente no romance original não aparecem no filme, além de conter também inúmeras pequenas diferenças no que toca a ambientes e personagens (por exemplo os personagens do Nicolau e do Unas essenciais para o filme, no livro quase nem existem).
É no entanto um excelente complemento para quem gostou do filme, pois a atmosfera está lá.
O livro aborda muito mais em detalhe as cenas passadas no Alentejo de que só encontramos breves fragmentos no início do filme, e contém um final muito mais elaborado e diferente, entre muitas outras coisas.
Resumindo, recomendo vivamente tanto o livro como o filme.

Para mais informação podem consultar mais esta review aqui
http://www.fm-media.net/news02/727.htm

Podem encontrar o filme á venda na Fnac integrado num pack aqui
http://www.fnac.pt/pt/Catalog/Detail.aspx?cIndex=2&catalog=dvdVhs&categoryN=Filmes&category=dvdCaixas&product=5601887487561

Thursday, November 08, 2007

Casa de Areia - Andrucha Waddington (2006)

O Brasil tem vindo de alguns anos para cá a surpreender-me no que toca a produção cinematográfica de qualidade.
Para quem estava habituado aquele imaginário televisivo típico das telenovelas Brasileiras encontrar filmes como "Cidade de Deus", "Carandirú" e "O Homem que Copiava" tem sido uma verdadeira surpresa que supera todas as expectativas ou ideias pré-concebidas.
Acredito que muita gente ainda nem tenha notado, mas do Brasil estão a vir a conta-gotas alguns dos melhores filmes que podemos encontrar actualmente editados em DVD no nosso país.

O último que encontrei e que recomendo vivamente chama-se " Casa de Areia " e anda actualmente perdido numa excelente colecção chamada "Cinema do Mundo" (Lusomundo) que reune filmes de várias partes do globo.
É um bocado complicado contar algo sobre este filme de modo a despertar o vosso interesse, porque na realidade á partida este é um daqueles filmes em "que não se passa nada". Isto na ideia de muita gente que espera sempre uma daquelas histórias lineares de A-a-B com maus e bons e um final feliz.
Este é um filme de emoções em que metade da sua história é mais contada pelos silêncios e pelas mágnificas paisagens do que propriamente por um argumento em que se explica por palavras tudo o que está a acontecer.

Apesar disto, não esperem no entanto um filme pretencioso a puxar para o intelectual de pacotilha. A Casa de Areia não deixa de ser cinema comercial no sentido em que é tudo menos um filme chato, pois a partir do momento em que se conhecem os personagens temos mesmo de saber onde a história nos irá levar. Nesse aspecto o argumento não desilude e é bem criativo na forma como nos conta a história que tem para contar e que basicamente é sobre duas mulheres que vivem perdidas num deserto do Brasil durante mais de 50 anos sem nunca o conseguirem abandonar. Por muito que tentem encontrar o caminho da saída há sempre algo que as impede de deixar o local e os motivos variam do trágico ao poético e quase mágico criando uma atmosfera única para um filme que merece ser descoberto por quem já está farto de enlatados de Hollywood, não tem medo de ver filmes Brasileiros e quer algo mais do que tiros e efeitos especiais.

Em 1910, Vasco um português, leva sua esposa grávida Áurea (Fernanda Torres) e a mãe dela, Dona Maria (Fernanda Montenegro), em busca de um sonho: viver em terras prósperas, recentemente compradas por ele. No entanto o sonho transforma-se em pesadelo quando, após uma longa e cansativa viagem numa caravana, o trio descobre que as terras ficam num lugar totalmente inóspito, rodeado de areia por todos os lados e sem nenhum sinal de civilização por perto.
Após algumas peripécias iniciais as duas mulheres vêem-se sózinhas habitando uma velha casa no meio do deserto na esperança de que um dia alguém por lá passe e lhes indique o caminho para voltarem á civilização.
Por vizinhos apenas têm os habitantes de uma aldeia de pescadores, originada por ex-escravos fugidos que já nem se recordam do caminho por onde chegaram e por isso as duas mulheres vêem-se obrigadas a resignar-se ao seu destino limitando-se a esperar.

O filme acompanha esses largos anos de espera. Viajantes cruzam-se com o destino das mulheres, mas há sempre algo que as impede de partir na companhia dessas pessoas que passam pelas suas vidas. Tudo isto pode parecer um bocado vazio para uma história que é tudo menos chata, mas ao longo do filme sucedem-se os momentos interessantes, alguns de suspanse e muitos momentos poéticos como a cena em que os astrónomos visitam o deserto.
Como disse não posso contar demais porque a beleza deste filme está em descobrirmos por nós próprios o percurso da vida dos personagens principais ao longo de mais de 50 anos.

Esta deslocação temporal permite um trabalho fabuloso das actrizes que se desdobram em vários papeis consoante a época e a geração que o filme pretende retratar. Como tal, por exemplo a Fernanda Montenegro começa o filme a fazer o papel de avó e termina-o como neta 50 anos mais tarde numa composição absolutamente fabulosa. O mesmo vale para a Fernanda Torres.
Em termos de interpretações femininas este filme é absolutamente fantástico. Ao ponto até dos poucos personagens masculinos parecerem quase inexistentes quando comparados com a força dos personagens principais.

Além da história absolutamente hipnótica cheia de momentos poéticos, das interpretações fantásticas o filme conta com imagens mágnificas que retratam o deserto de uma forma quase irreal. Isto aliado a uma fotografia que quase roça o preto e branco em algumas alturas cria um ambiente absolutamente mágico e ao mesmo tempo claustrofóbico apesar do filme estar cheio de imensos espaços abertos.

Curiosamente em alguns momentos iniciais Casa de Areia quase nos parece um filme de Ficção-Cientifica precisamente pelo ambiente totalmente alienigena onde a história se passa. Aquele deserto Brasileiro é verdadeiramente um mundo á parte longe de tudo e de todos.
Em termos de atmosfera o filme faz lembrar em alturas, outras obras como - "O Piano" de Jane Campion, embora eu tenha gostado mesmo muito mais deste " Casa de Areia ". Shoot me.
Como tal recomendo totalmente a compra deste dvd. Ainda por cima a edição Portuguesa custa apenas 15€ e a qualidade técnica da mesma é muito boa, tanto a nivel de imagem como de som, contando ainda com bons extras entre eles um making of muito interessante e algumas entrevistas.

Recomendo vivamente pois este é mais um daqueles filmes que de certeza irá andar muito esquecido, especialmente num país como o nosso onde parece que o que não é blockbuster da moda não existe.

9 estrelas em 10 - Não leva nota máxima porque apesar de tudo gostaria de ter visto um final mais emotivo, menos contido e simbólico do que o apresentado. Mas isto se calhar tem a ver comigo , por isso não se desencorajem, comprem ou aluguem " Casa de Areia " mas acima de tudo vejam este filme.