Friday, November 09, 2007

"Kiss Me" - António da Cunha Telles - (2005)

Para que eu goste de um filme de contornos românticos, acima de tudo este tem de ter algo que me toque a nível emocional. Coisa que já não acontece há muito tempo por exemplo com os enlatados saídos de Hollywood de onde saiem remakes cada vez mais atrozes de filmes românticos originalmente fabulosos como o Coreano "Il Mare" completamente destruído pelos americanos com o plástico e banal "A Casa do Lago".
Para um filme romântico me interessar ás vezes precisa conter apenas um pormenor na música, ou até uma simples imagem num determinado momento que faça a diferença.
Ou um conjunto de pequenas coisas que tornem especial um argumento.

Este surpreendente filme português teve tudo isso e mais alguma coisa, inclusivamente algumas falhas que o impedem no entanto de ser uma obra prima do cinema comercial nacional, embora quanto a mim ande lá perto por muitos e variados motivos.

Como haveria muito para dizer, vou tentar resumir esta crítica em dois pontos distintos.

Resumindo, coisas que adorei em "Kiss Me" e pelas quais eu acho que este filme não merece ficar esquecido:

- O ambiente a fazer lembrar o filme "Cinema Paradiso", coisa que nunca julguei alguma vez vir a encontrar num filme Português.
É como se fosse um filme do Tornatore mas ao mesmo tempo não o é pois tem um identidade própria bem portuguesa.

- A recriação de ambiente de Tavira nos anos 50.
Passei todas as férias da minha infância em Tavira, toda a familia da parte do meu pai era de lá e viveram aqueles tempos. Sei de cor as historias e os relatos que ouvi ao longo dos anos sobre como eram as pessoas da terra e o ambiente que se vivia. Pelo menos quatro dos personagens deste filme poderiam ser da minha familia, o alfaiate, o contrabandista, a costureira, a tia (que inclusivamente tem o mesmo nome da minha tia de Tavira), etc.
Por isso neste aspecto o filme tocou-me particularmente pois colocou no ecran tudo aquilo que sempre visionei ao longo dos anos pelas historias que ouvia e nas fotos antigas que via.

- A maneira como a musica mantém a coerência da atmosfera ao longo do filme, tanto nos lindíssimos temas originais como na escolha de temas de Jazz, Tangos e melodias orquestrais. Tudo soando fabulosamente num sistema 5.1.
Este filme tem mesmo o melhor som que me lembro de ouvir num filme português. Bem melhor até que algumas pistas em DTS apesar de apenas conter a tradicional faixa em surround normal.

- A maneira como uma história original foi contada usando recriação de cenas de filmes clássicos e integrando-os na narrativa principal como se pertencessem mesmo ali. Achei fabuloso e só tenho pena de não ter visto ainda todos os filmes ali referenciados.

- A fotografia estilo technicolor anos 50 acerta em cheio no que seria perfeito para este filme em algumas cenas chave. Além disso "Kiss Me", contém pelo menos uma mão cheia de imagens que poderiam ser obras fabulosas se tivessem sido apresentadas estáticas em qualquer mostra de fotografia e neste aspecto a Marisa Cruz não poderia ter sido melhor aproveitada pelo director de fotografia.
A imagem da sua personagem deitada nua na palha molhada protegendo o filho com o calor do corpo está incrivel e é um dos grandes momentos visuais do filme.
Surpreendeu-me bastante que apesar dos nús da Marisa , não a tenham explorado eroticamente daquela forma mais explicitamente sexual que muita gente esperava ver.
Pelo contrário, todas as suas cenas de nú são mais sensuais do que sexuais pois toda a sexualidade do filme está presente na personalidade do personagem e o espectador acaba sempre por imaginar mais do que é na realidade mostrado.

- A colagem á Marilyn está excelente. A ideia de Laura passear pelo filme usando cada um dos vestido famosos resulta bem e cria desde logo subtis momentos de humor e um aproveitamento dramático perfeito.

- A história. Simples, poética e emotiva sem cair na telenovela o que fica sempre bem.
Embora não se livre de algumas falhas na estrutura do filme, mas ja comento isso nos pontos "negativos". De uma forma geral, é uma história muito bem aproveitada.

- Os cenários têm um design de produção fantástico. Durante duas horas transportam-me de volta á Tavira da minha infância quando a minha tia Marta no meio dos anos 70, ainda tinha todos aqueles móveis estilo 50´s que a Laura tem na sua casa. Os cenários de estúdio ligam perfeitamente com os exteriores filmados em Tavira.

- As interpretações. É bom constatar que em portugal também temos grandes actores para cinema. O Nicolau Breyner está contidamente incrivel e com um personagem particularmente tocante. O Rui Unas vai longe e tem um personagem de quem se fica imediatamente a gostar. A Clara Pinto Correia é aquela personagem, assim como um actor que eu desconhecia, Manuel Wiborg e que tem outro personagem excelente, isto para não falar da personagem Clarinda que é simplesmente o complemento perfeito para a Laura.
Muito haveria ainda para dizer sobre os actores mas na verdade o casting deste filme é absolutamente perfeito e nem sempre se encontra algo assim no cinema Português.

Só os figurantes estragam a coisa um bocado.Quanto á Marisa, pois é uma boa actriz também apesar de muita gente ainda entrar em ideias negativas pré-concebidas.
Senti varias pequenas "falhas" ao longo do filme, mas de uma forma global tem um trabalho fantástico apesar disso. Ela é Laura.
A meio do filme já nem nos lembramos que é a Marisa Cruz e a química entre ela e o Nicolau é total como se pode ver por exemplo nas cenas do baile.
Penso que a Marisa tem um excelente potencial como actriz, espero continuar a poder vê-la no cinema futuramente e só é pena ainda haver muita gente que pensa que por ela ser Modelo, boa e bonita isso significa que nunca poderia ser fazer um bom trabalho de representação. Pois bem, na minha opinião, a Marisa Cruz neste filme limpa o chão com todas as supostas actrizes que andam neste momento pelas novelas das nossas televisões.
Além disso foi preciso ter lata (e coragem) para arriscar num papel tão emblemático, emulando logo a Marylin Monroe onde inevitavelmente seria alvo de comparações depreciativas. Injustas quanto a mim pois a colagem é total enquanto personagem - Laura - fascinada pela deusa do cinema.

Coisas de que "não gostei":

- Penso que em algumas partes do filme a evolução da personalidade da Laura é demasiado brusca e passa demasiado rápido por mudanças na sua evolução de menina ingénua até Vamp simbolo sexual da cidade. A relação amorosa entre ela e o personagem do contrabandista é demasiado súbita. Numa cena não se passa nada, na seguinte parece que já se relacionavam há muito tempo.

- A primeira cena erótica tem segundos a mais. Parece um comentário estúpido, mas a verdade é que a achei repetitiva pois tentaram prolongar aquilo que na verdade não pretendiam mostrar e acho que não resultou muito bem pois quebra um bocado o excelente ritmo que o filme tem até ali.Pronto, ok, tem a Marisa, essa parte está óptima.

- Tavira tinha dezenas de locais poéticos para serem mostrados e practicamente nada foi usado neste filme. Não usaram o velho coreto, a fachada da praça antiga, o jardim central, entre muitas outras localizações que teriam dado ainda mais atmosfera ao filme. Provavelmente por falta de verba para muitos exteriores. É pena.
Mas a ponte, a ilha,as 4 aguas e o rio estão perfeitos e servem perfeitamente a historia.
Gostaria apenas de ter visto mais pois Tavira tem um potencial cénico romântico incrivel e foi pena não o terem usado.

- Alguns figurantes são terriveis o que quebra um bocadinho a atmosfera perfeitamente credivel do que estamos a ver comprometendo a ilusão de realidade presente no filme até esses momentos.

- Em algumas cenas mais intensas a Marisa tem algumas limitações dramáticas. Quando ela vai pedir ajuda á mãe por exemplo, os apelos do personagem não me convenceram. Se calhar a culpa não foi dela, porque durante todo o filme enquanto actriz principal ela tem momentos verdadeiramente excelentes e parece carregar sem esforço todo o filme nas suas costas competindo sem problemas com actores como o Nicolau.

- O final é um bocadinho brusco, penso que o filme pedia um fim mais emocionalmente trabalhado. Parece que o realizador ou o argumentista precisavam de terminar o filme e decidiram inserir a martelo um final que nem sequer era necessário.
Visto que o argumento até é practicamente todo diferente do livro original, não entendo porque o filme não acabou num dos momentos finais mantendo a mesma narração mas evitando a breve sequência contemporânea no avião que parece completamente deslocada.
Se calhar fui eu que queria que o filme não acabasse assim tão subitamente, pois a verdade é que adorei este "Kiss Me".
Temos aqui um filme Português comercial verdadeiramente digno dessa qualificação no melhor dos sentidos.
O que me leva ao ponto seguinte...

- "Kiss Me", não gosto do titulo. Acho que não resulta apesar de perceber a ligação. Acho-o demasiado forçado um titulo em inglés para um filme como este.
Até porque tenho a certeza que afastou muito público e pode continuar a afastar. Especialmente de uma faixa etária mais avançada que nunca reparará num filme com um titulo em estrangeiro.
E nem morro de amores pelo cartaz demasiado plástico e com pinta de fotografia mais própria para passagem de modelos do que propriamente para representar a atmosfera diferente que se encontra no filme e que é bem mais clássica. Penso que em termos de marketing o cartaz como está foi um erro.

Concluíndo, sinceramente acho que o filme é um espectáculo e infelizmente é um daqueles que se não for mesmo divulgado irá ficar esquecido por muito tempo. Especialmente porque muita gente até nunca o irá ver por puro preconceito, tanto para com o cinema português como para com a Marisa Cruz, o que é pena pois perderão um filme muito bonito, poético, cheio de memórias cinematográficas e personagens inesqueciveis, grandes interpretações, atmosfera perfeita, banda sonora a condizer e (surpreendam-se) uma fotografia fantástica.
Não entendo o porquê dos nossos criticos (daqueles "a sério"), terem batido tanto no filme.
Se calhar é porque é um pequeno grande filme de que o grande público pode mesmo gostar.

Recomendo a compra apesar do Dvd estar editado no maldito formato 4:3 letterbox.
No entanto contém bons menus animados com grande atmosfera, extras a condizer com um bom making of e algumas cenas apagadas comentadas, etc.Só é pena não haver um comentário audio durante o filme todo, pois o realizador faz um trabalho excelente a comentar as cenas apagadas e é mesmo uma grande falha deste dvd não trazer tambem um comentário.Por isso meus amigos das editoras, se lançarem uma edição especial deste filme, desta vez já em 16:9 a sério e com um comentário audio do realizador e de preferencia outro com os actores , já têm aqui um comprador. Filme 5 estrelas.
Especialmente dedicado áquelas pessoas que passam a vida a queixar-se de que o cinema portuga nunca produz nada de jeito.
Vejam este e mudem de opinião de uma vez por todas.
"Kiss Me" é um daqueles que não merece ficar no esquecimento.

E já agora...
Se gostarem do filme, recomendo vivamente o livro com o mesmo nome ("Kiss Me" - Vicente Alves do Ó), porque curiosamente é quase uma história diferente. Pelo menos uns 80% da história presente no romance original não aparecem no filme, além de conter também inúmeras pequenas diferenças no que toca a ambientes e personagens (por exemplo os personagens do Nicolau e do Unas essenciais para o filme, no livro quase nem existem).
É no entanto um excelente complemento para quem gostou do filme, pois a atmosfera está lá.
O livro aborda muito mais em detalhe as cenas passadas no Alentejo de que só encontramos breves fragmentos no início do filme, e contém um final muito mais elaborado e diferente, entre muitas outras coisas.
Resumindo, recomendo vivamente tanto o livro como o filme.

Para mais informação podem consultar mais esta review aqui
http://www.fm-media.net/news02/727.htm

Podem encontrar o filme á venda na Fnac integrado num pack aqui
http://www.fnac.pt/pt/Catalog/Detail.aspx?cIndex=2&catalog=dvdVhs&categoryN=Filmes&category=dvdCaixas&product=5601887487561

3 comments:

dianamatias said...

É um filme de 2004.

Nuno Miranda said...

Na verdade, o argumento original do filme era o que está agora no livro "Kiss Me". Por diversas razões o produtor decidiu afastar-se da história original, sendo essa a razão de o crédito de Vicente do Ó ser "Baseado num argumento de...". Foi devido a isso que nasceu o livro. Já agora, toda a história do livro é verdadeira. Um abraço!

Vicente Alves do Ó said...

Obrigado pelas palavras e pela atenção sem preconceito com que viu o filme e leu o livro. Muito obrigado. :-)