Thursday, November 08, 2007

Casa de Areia - Andrucha Waddington (2006)

O Brasil tem vindo de alguns anos para cá a surpreender-me no que toca a produção cinematográfica de qualidade.
Para quem estava habituado aquele imaginário televisivo típico das telenovelas Brasileiras encontrar filmes como "Cidade de Deus", "Carandirú" e "O Homem que Copiava" tem sido uma verdadeira surpresa que supera todas as expectativas ou ideias pré-concebidas.
Acredito que muita gente ainda nem tenha notado, mas do Brasil estão a vir a conta-gotas alguns dos melhores filmes que podemos encontrar actualmente editados em DVD no nosso país.

O último que encontrei e que recomendo vivamente chama-se " Casa de Areia " e anda actualmente perdido numa excelente colecção chamada "Cinema do Mundo" (Lusomundo) que reune filmes de várias partes do globo.
É um bocado complicado contar algo sobre este filme de modo a despertar o vosso interesse, porque na realidade á partida este é um daqueles filmes em "que não se passa nada". Isto na ideia de muita gente que espera sempre uma daquelas histórias lineares de A-a-B com maus e bons e um final feliz.
Este é um filme de emoções em que metade da sua história é mais contada pelos silêncios e pelas mágnificas paisagens do que propriamente por um argumento em que se explica por palavras tudo o que está a acontecer.

Apesar disto, não esperem no entanto um filme pretencioso a puxar para o intelectual de pacotilha. A Casa de Areia não deixa de ser cinema comercial no sentido em que é tudo menos um filme chato, pois a partir do momento em que se conhecem os personagens temos mesmo de saber onde a história nos irá levar. Nesse aspecto o argumento não desilude e é bem criativo na forma como nos conta a história que tem para contar e que basicamente é sobre duas mulheres que vivem perdidas num deserto do Brasil durante mais de 50 anos sem nunca o conseguirem abandonar. Por muito que tentem encontrar o caminho da saída há sempre algo que as impede de deixar o local e os motivos variam do trágico ao poético e quase mágico criando uma atmosfera única para um filme que merece ser descoberto por quem já está farto de enlatados de Hollywood, não tem medo de ver filmes Brasileiros e quer algo mais do que tiros e efeitos especiais.

Em 1910, Vasco um português, leva sua esposa grávida Áurea (Fernanda Torres) e a mãe dela, Dona Maria (Fernanda Montenegro), em busca de um sonho: viver em terras prósperas, recentemente compradas por ele. No entanto o sonho transforma-se em pesadelo quando, após uma longa e cansativa viagem numa caravana, o trio descobre que as terras ficam num lugar totalmente inóspito, rodeado de areia por todos os lados e sem nenhum sinal de civilização por perto.
Após algumas peripécias iniciais as duas mulheres vêem-se sózinhas habitando uma velha casa no meio do deserto na esperança de que um dia alguém por lá passe e lhes indique o caminho para voltarem á civilização.
Por vizinhos apenas têm os habitantes de uma aldeia de pescadores, originada por ex-escravos fugidos que já nem se recordam do caminho por onde chegaram e por isso as duas mulheres vêem-se obrigadas a resignar-se ao seu destino limitando-se a esperar.

O filme acompanha esses largos anos de espera. Viajantes cruzam-se com o destino das mulheres, mas há sempre algo que as impede de partir na companhia dessas pessoas que passam pelas suas vidas. Tudo isto pode parecer um bocado vazio para uma história que é tudo menos chata, mas ao longo do filme sucedem-se os momentos interessantes, alguns de suspanse e muitos momentos poéticos como a cena em que os astrónomos visitam o deserto.
Como disse não posso contar demais porque a beleza deste filme está em descobrirmos por nós próprios o percurso da vida dos personagens principais ao longo de mais de 50 anos.

Esta deslocação temporal permite um trabalho fabuloso das actrizes que se desdobram em vários papeis consoante a época e a geração que o filme pretende retratar. Como tal, por exemplo a Fernanda Montenegro começa o filme a fazer o papel de avó e termina-o como neta 50 anos mais tarde numa composição absolutamente fabulosa. O mesmo vale para a Fernanda Torres.
Em termos de interpretações femininas este filme é absolutamente fantástico. Ao ponto até dos poucos personagens masculinos parecerem quase inexistentes quando comparados com a força dos personagens principais.

Além da história absolutamente hipnótica cheia de momentos poéticos, das interpretações fantásticas o filme conta com imagens mágnificas que retratam o deserto de uma forma quase irreal. Isto aliado a uma fotografia que quase roça o preto e branco em algumas alturas cria um ambiente absolutamente mágico e ao mesmo tempo claustrofóbico apesar do filme estar cheio de imensos espaços abertos.

Curiosamente em alguns momentos iniciais Casa de Areia quase nos parece um filme de Ficção-Cientifica precisamente pelo ambiente totalmente alienigena onde a história se passa. Aquele deserto Brasileiro é verdadeiramente um mundo á parte longe de tudo e de todos.
Em termos de atmosfera o filme faz lembrar em alturas, outras obras como - "O Piano" de Jane Campion, embora eu tenha gostado mesmo muito mais deste " Casa de Areia ". Shoot me.
Como tal recomendo totalmente a compra deste dvd. Ainda por cima a edição Portuguesa custa apenas 15€ e a qualidade técnica da mesma é muito boa, tanto a nivel de imagem como de som, contando ainda com bons extras entre eles um making of muito interessante e algumas entrevistas.

Recomendo vivamente pois este é mais um daqueles filmes que de certeza irá andar muito esquecido, especialmente num país como o nosso onde parece que o que não é blockbuster da moda não existe.

9 estrelas em 10 - Não leva nota máxima porque apesar de tudo gostaria de ter visto um final mais emotivo, menos contido e simbólico do que o apresentado. Mas isto se calhar tem a ver comigo , por isso não se desencorajem, comprem ou aluguem " Casa de Areia " mas acima de tudo vejam este filme.


2 comments:

Nuno Pedro Fernandes said...

grande filme, sim sr. Andava já há umas semanas para escrever sobre ele. Mas tu fizeste-o de forma perfeita. Para mim, encontrar este filme foi uma benção, fez-me voltar a acreditar num certo tipo de cinema de espaços, em que as imagens e os silêncios muitas vezes conseguem dizer mais do que muitas palavras ou lágrimas. Vale muito, mas mesmo muito a pena!

Unknown said...

esse não foi esquecido, não ,vei.